terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tornei-me um cadáver ambulante porque não fui compreendido, busco paz e justiça social, estou com Deus!




... Um atentado estava a caminho e, eu jamais imaginaria que estivesse sendo o alvo principal de tamanha insanidade...



       Era um final de semana ensolarado, eu convidei o meu vice-presidente da Associação dos Moradores (Manoel Francisco Inácio), conhecido como Dódi, para irmos até aquele encontro e, esperei-o quase até o final do dia. Nós trabalhávamos na feira de artes e artesanato da Praça XV de Novembro no centro da capital e, eu havia recolhido o meu material mais cedo por conta daquele evento.

       O Dódi é artesão e meu amigo desde os anos 70, tínhamos nos conhecido em Porto Alegre. Ele também era o meu vice-presidente no Sindicato dos Artesãos de Florianópolis, na verdade ele também era um dos fundadores.

      Nós também tínhamos combinado sair no inicio da tarde, conforme eu havia comentado com a “irmã” Ivone Perassa..

      Já era quase 16 horas quando este apareceu, e disse-me que não poderia ir. Enfim, decidi ir sozinho, mas fiquei com o compromisso de repassar as informações sobre o acontecimento, como sempre fazíamos.

      Eu havia descido do ônibus que tinha me levado até a cidade de Palhoça, município da grande Florianópolis, e caminhando, perguntei para um senhor que estava vindo em minha direção: Como faço pra chegar até a Escola Rural? Ele me respondeu, o senhor vai por ali e entre naquela outra rua que logo encontrará.

      Enfim, chegando à frente, eu olhei pra sua fachada, quase que detalhadamente, era um prédio relativamente grande.

      Chegando à porta encontrei alguns líderes comunitários, cumprimentei-os e segui conversando com aqueles que eu tinha mais intimidade. Nesse momento apareceu a “irmã” Ivone Perassa e disse-nos: Vamos até ali que eu vou mostrar os quartos que irão dormir.

      O prédio tinha várias salas, refeitório, quartos com beliches e uma cozinha do tamanho ideal para aquela estrutura educacional.

      O quarto que fiquei era relativamente amplo e parecia-me um dormitório de fato, não era um dormitório de improviso comumente criados em eventos coletivos realizados nas escolas. Imaginei que ali ficavam os estudantes de algum curso técnico rural.

      Naquele quarto havia vários beliches enfileirados, as roupas de cama estavam limpinhas e arrumadas. Nós precisávamos apenas esticar o esqueleto, imaginei (sic), afinal, naquela semana nós tínhamos feito várias atividades na comunidade e, eu ainda tinha de conciliar o trabalho com as atividades políticas no movimento, enfim...   

      Logo a seguir fizemos um rápido lanche e nos dirigimos a uma sala onde havia uma tela e um projetor de filmes e slides.

      Depois de uma explanação reafirmando o objetivo de nossa presença ali naquela Escola Rural, iniciou-se uma seção de curta metragem e, filmes sobre temas sociais.

     Nós sentamos em várias cadeiras escolares que estavam postadas em filas organizadas e bem próximas uma da outra.

       Primeiramente, assistimos a uma fita curta metragem que tinha um tema relacionado às lutas sociais de uma cidade e a necessidade da reforma urbana.

      Eu achei muito interessante aquele curta-metragem, ele realmente retratava a situação de penúria social dos moradores ali representados.

      O filme colocava em aberto um debate sobre aquela situação. Mostrava o quanto eles viviam em condições desumanas cercados pelas riquezas do qual não lhes favorecia enquanto moradores.

       Na verdade, os moradores das periferias são os verdadeiros trabalhadores braçais, que com seus esforços, contribuem na edificação do progresso e das riquezas das cidades onde vivem.

      Naquele curta metragem, a especulação imobiliária era uma realidade semelhante a nossa em Florianópolis.

       Eu me senti dentro daquela situação, que de fato, retratava aquilo que quase todos os lideres comunitários ali presentes vivenciavam no seu dia a dia, sem energia elétrica e sem saneamento básico nas periferias e nos morros da “ilha da magia”, da terra das “bruxas”, e do “boi de mamão”, das lendas e do folclore da ilha de Santa Catarina.

      Logo ao término daquele curta metragem, houve uma pequena explanação, e a seguir iniciou outro filme que tinha o titulo de “Terra para Rose”.

      Este filme tinha cenas reais e contava a historia de Rose, uma agricultora Sem Terra que foi assassinada durante sua luta pela reforma agrária.

      Rose foi uma brava lutadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Rio Grande do Sul. Ela havia participado da ocupação de terras, de manifestações, das marchas pela terra, e também era integrante dos “acampados” da Encruzilhada Natalino, local embrionário do movimento, onde houve o inicio dos enfrentamentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra com a Brigada Militar, no inicio dos anos 80.

       Eu tinha ficado emocionado com o filme, tinha vivenciado cada momento daquela luta que já conhecia desde o Rio Grande do Sul, meu estado natal.   Também já tinha ouvido comentários sobre aquele filme, há algum tempo atrás, e ali eu tive a oportunidade de assisti-lo.

       Após o final fizemos alguns comentários e ficamos liberados para dormir, afinal, no outro dia teríamos muitas atividades relacionadas ao tema.

      No caminho dos dormitórios havia um refeitório, e neste havia várias mesas com quitutes, cachorros quentes, sanduíches, salgadinhos, café, sucos e refrigerantes. Aquilo ali era um convite para uma farta degustação.

      Eu me aproximei de uma das mesas e me servi à vontade, comendo um cachorro quente e tomando um café.

      Quando estava indo em direção aos quartos, passei ao lado da porta da cozinha, vi ali bem a frente de um grande fogão a lenha, nada mais e nada menos do que o Toni. Eu pensei comigo, o que esse cara está fazendo aqui?

       Ele não era integrante do Movimento dos Sem Teto e não fazia parte da comissão de negociações das áreas em litígios da grande Florianópolis, na sua grande maioria, ali reunidos, que eram representados pelos lideres comunitários presentes.

      O Toni (ex-caseiro do Álvaro) era apenas o marido da Elaine que ali se fazia presente como integrante do quadro funcional da ONG CAPROM (Centro de Apoio e Promoção do Migrante). Mas, eu entendi, ele estava ali ajudando na cozinha

     Sua presença, também não era por menos, o casal fazia parte do circulo de amizades pessoal da “irmã” Ivone Perassa.

      Eu me dirigi até o Toni e cumprimentei-o, ele puxou conversa comigo perguntando-me como estava às coisas, as lutas, a vida etc. Eu perguntei a ele sobre o seu trabalho, e se ainda tinha aquela Kombi (perua) que eu tinha visto com ele a alguns dias antes daquele encontro, enfim, ele me respondeu e eu me despedi desejando a ele uma boa noite.

      Por tudo o que eu tinha presenciado o Toni fazer, eu ainda não conseguia sentir ódio dele ou mesmo de sua companheira Elaine. Eu o conhecia desde o tempo que era artesão, tinha visto ele pela primeira vez em Itajaí no ano 1978, durante minhas andanças, e posteriormente em Floripa, ainda no mesmo ano. Passado alguns anos, infelizmente, na condição de caseiro do engenheiro Álvaro.

       Na verdade, eu apenas não me sentia bem com a presença de qualquer um deles naquela luta, que no passado já tinham demonstrado não lhes pertencer. Eu sempre considerei a presença da Elaine um contra-senso por parte de Ivone Perassa, diante do que eu lhe havia comentado.

      Eu pensava comigo, sei que as pessoas têm todo o direito e a capacidade de socialmente se regenerarem ou, de fazerem uma mea culpa. Mas ali naquele momento eu não estava com essa compreensão.

       E, eu pensava, eu não tenho que estar perdoando ninguém. Primeiro porque não estavam me pedindo e, segundo, quem sou eu para perdoar alguém?

      Durante as lutas nos movimentos sociais, e durante os embates políticos, como militante, a gente não consegue contemporizar com os contraditórios de classe ou de comportamentos (a contemporização de classes é a linha mestra dos sociais-democratas), na verdade, essa é a autentica ideologia da Teologia da Mentira.

      E, cá entre nós, você acha que a igreja católica se vê dentro de um país socialista? Você teria certeza disso?

      Nem vamos muito longe, basta lembrarmo-nos das suas ações, na Polônia do Papa anticomunista (João Paulo II), e do sindicato “Solidariedade”, aquele dos trabalhadores do porto de Gdansk, tanto espelhado pelos petistas ao ponto de virar moda em camisetas utilizadas pela pequena burguesia nos anos 80. 

      Ademais, o fracassado “nacional-desenvolvimentismo” defendido pela “Teologia da Mentira” é utilizado como ferramenta de convencimento e formação política junto ao MST, a Via Campesina, as mulheres agricultoras e aos SEM TETO.

     E, serve também, como uma cartilha da “farsa revolucionária” para a manutenção da propriedade privada, um dos alicerces mais sólidos do capitalismo de estado.

      Esse embuste ideológico representa na verdade, o fortalecimento do capitalismo nacional, algo parecido com o direito de explorar e distribuir misérias, ou seja, um pressuposto social dentro do marco capitalista da exploração de classe.

      Por isso, nós não podemos perder o foco do objetivo final, que é a luta permanente por uma sociedade socialista.

       Desde cedo, quando me tornei um militante marxista-leninista, eu sempre me envolvi na defesa direta dos interesses vitais dos trabalhadores.

      Eu também sou um cara que popularmente chamamos de “meio xucro”. Não sou disciplinado no sentido de “obediência cega”. Se em meio aos embates eu perceber alguma imposição baseada no personalismo, eu costumo esquivar-me sem fugir da luta.

      Houve um período inicial durante minha militância nos anos 70, que eu tive a oportunidade de conhecer os escritos e os pensamentos de Alexandre Bakunin.

      Como artesão, essa ideologia anarquista era a base ideológica da nossa categoria naquele período. E, nos dias de hoje, essa ideologia ainda predomina em algumas partes do Brasil em meio às comunidades dos artesãos mais antigos e nas feiras hippies tradicionais.

       Ora, eu não tinha dúvidas, como já havia me tornado, inicialmente, um marxista-leninista, o comunismo cientifico predominou na minha formação política.

      Foi assim com a categoria profissional dos artesãos, muitas vezes até chamados de lumpéns, por setores ditos de esquerda, que eram na verdade, integrantes da pequena burguesia “fedorenta e fascista” incrustados nos movimentos sociais de massa.

      Foi assim também durante minha participação na “ação direta” dos quebra-quebras em São Paulo no ano de 1983, nas manifestações contra a Ditadura Militar, nas greves dos trabalhadores de várias categorias durante os anos 70/80 em vários estados do Brasil, na luta pelas eleições “Diretas Já” e na luta urbana dos trabalhadores Sem Teto na comunidade de Areias do Campeche.
      
        Mesmo não sendo um intelectual, minha luta sempre se fez na condição de “praticista” ou simplesmente como uma tarefa revolucionária permanente, independente de cúpulas dirigentes, ou do Comitê Central.

      Eu nunca me esquivei, ou demonstrei medo diante do gigantismo das injustiças e dos poderosos, mesmo em alguns momentos eu estando vivendo em condições quase paupérrimas, juntamente com minha família, que eu havia construído até aquela data.

        A minha filiação circunstancial no PMDB até parte daquele ano de 1989, tornara-se irrelevante diante do objetivo final da minha luta, que é até os dias de hoje, a busca incessante por justiça social, e pelo socialismo enquanto ideologia de uma sociedade sem classes, sem explorados e sem exploradores.

       Enfim, eu cheguei a pensar pra mim, certas atitudes não me convencem como sendo meramente ocasionais.

     Bem, eu também não tinha como impedir a sua presença.  Eles eram eventualmente mais umas daquelas pessoas que não tinham discernimento de classe, talvez por isso tivessem agido daquela forma, quando ainda trabalhavam para o engenheiro Álvaro.

      A seguir, eu fui direto para o quarto, e lá chegando vi que a maioria já estava dormindo. Putz, eu pensei comigo, é o cansaço da turma, eu também vou dormir...

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