segunda-feira, 15 de agosto de 2011

... Nós fundamos o Sindicato dos Artesãos de Florianópolis

        
      ...Em meio aos embates políticos pela posse da terra, na verdade, uma luta urbana pela moradia digna, nós tínhamos que nos organizar enquanto artesãos profissionais.

      Na Praça XV de Novembro no centro de Florianópolis existia desde os finais dos anos 60 uma feira de artesanato que surgira pelo uso freqüente dos artesãos daquele espaço público. Ali também não era diferente de outras capitais. Com o aumento do desemprego surgido durante à pós-ditadura, na verdade, desde o inicio do governo de José Sarney, as feiras de artesanatos existentes também iam inchando conforme esta tendência no país.

     A maioria dos artesãos que viviam na comunidade de Areias do Campeche trabalhava na feira de artesanato.

       E, comigo, a minha vida profissional também girava em torno do artesanato que eu produzia.

      Por conta disso, nossa luta se fazia em duas frentes, à profissional e a da moradia.

      Nesse sentido, juntamente com outros companheiros começamos a maturar a idéia de criar uma entidade que realmente congregasse a categoria em todos os sentidos.

      Este fato era em decorrência do que cotidianamente vinha ocorrendo no restante do país, ou seja, os espaços oficiais não eram suficientes para atender a demanda de novos profissionais do nosso segmento profissional.

       Na Praça XV de Novembro existia uma entidade que fora fundada em meados dos anos 80, sendo assim, era esta entidade que gerenciava de forma privada os interesses dos artesãos expositores naquele espaço.

      A prefeitura da cidade limitava o numero de artesãos que ali trabalhavam, e para nossa surpresa, a ASSOCIART XV (Associação dos Artesãos da Praça XV) atendia o pleito municipal e não lutava pela ampliação dos espaços para a categoria. Ali na praça havia a possibilidade de ampliação de mais ou menos uns 30% de artesãos. Os então dirigentes da Associart XV pensavam diferentes, de verdade mesmo, eles tinham uma preocupação fundamentada na concorrência que outros profissionais poderiam lhes submeter.

       Pensavam assim desde há muito tempo. Bastava chegar à temporada de verão que o circuito da feira fechava para visitantes, ou seja, o sujeito recém chegado recebia autorização para apenas três dias de trabalhos e nada mais.

       Muitos dos profissionais que ali trabalhavam, eram moradores na cidade a mais de três anos, e não tinham a oportunidade de se efetivarem naquele espaço público, gerenciado pela entidade em parceria com a prefeitura.


      Por conta disso, num grupo de artesãos decidimos pela criação e fundação do Sindicato dos Artesãos de Florianópolis. Convocamos a categoria e passamos a discutir e a elaborar o estatuto daquele que seria o sindicato da categoria. Eis que no dia 05 de abril daquele ano de 1989, em assembléia geral, ali mesmo na Praça XV de Novembro, nós fundamos o Sindicato dos Artesãos de Florianópolis (Sindart).

      A princípio pareceria que teríamos a unanimidade natural diante do acontecido histórico, mas estávamos enganados. O Sindicato dos Artesãos iria “mexer” com interesses particulares de funcionários públicos e de trabalhadores artesãos, que há anos freqüentavam e usufruíam de forma privada os benefícios públicos existentes em projetos direcionados ao fomento da nossa atividade.

      Contrariado com o que estava ocorrendo e o que havia “descoberto”, eu passei a buscar contatos na esfera estadual que coordenava o setor da nossa atividade.

      Era comum em várias partes do Brasil, e, acredito que em outras categorias também, que um grupo de artesãos mantinha a sete chaves as informações sobre vantagens e convênios existentes. De início éramos recebidos com uma aparente formalidade. Mais a frente...

      Depois de fazer alguns contatos com os coordenadores do setor estadual que gerenciavam os projetos e verbas voltadas ao fomento da categoria, eu comecei a “desatar um nó” que já era de conhecimento de muitos artesãos.

      Por muitos anos desde a Ditadura Militar, os artesãos viviam numa política de quase tutela ou assistencialismo do estado. O Ministério do Trabalho havia reconhecido a categoria no ano de 1978, e estaria eternamente debatendo a regulamentação da profissão até os dias de hoje? No Congresso nacional, tramitavam a alguns anos vários projetos que propunham esta regulamentação.

       Aqui no Estado de Santa Catarina não era diferente. A Fundação Catarinense do Trabalho (FUCAT) dispunha de verbas e projetos que fomentavam a atividade do segmento, que, incluía a participação de um seleto grupo de artesãos em eventos nacionais e estaduais.

       Com o surgimento do Sindicato, nós passamos a pleitear a participação igualitária de todos os artesãos nesses eventos que vinham acontecendo de forma “privada”, apenas para os seletos, “amigos da corte”.

      Como já é histórico, toda vez que os “privilegiados” são cutucados criam um alvoroço desproporcional aos fatos, neste caso também não foi diferente.

Os “ratos dos porões” ficaram alvoroçados com a nossa investida atrás de informações. Toda vez que tocávamos no assunto sobre verbas as portas se fechavam. Afinal, até aquele momento não havia quem os fiscaliza-se, não era por menos...

       Nós descobrimos que a coordenação da unidade de artesanato utilizava parte do dinheiro que deveria ser aplicado no fomento da atividade para a compra de passagens de avião e hospedagens. A alegação era de que os contatos eram mais rápidos e necessários para a organização dos eventos.

       Mas perai (sic), ir de Florianópolis a Curitiba de avião, de Florianópolis a Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro hospedando-se em hotéis acima de duas estrelas era uma necessidade do setor? Eu penso que sendo funcionários públicos, estes deveriam ter uma diária separada do orçamento destinado aos artesãos, ou seja, uma verba específica semelhante à de outras secretarias de estado.

      Conversamos internamente no Sindicato e chegamos à conclusão de que aquilo se caracterizava como uso abusivo do dinheiro destinado a categoria. Na verdade aquilo se tornou uma fonte de mordomias para um grupo seleto de funcionários públicos que mantinham um grupo seleto de artesãos participando nos eventos.

       A possibilidade na emissão de notas fiscais frias ou majoradas era uma possibilidade concreta. Essa coincidência dos “mesmos” agentes participantes tinha o objetivo (assim entendíamos) de calar a boca de eventuais contestações.

       Por várias vezes tentamos nos aproximar da coordenação da Unidade de Artesanato da FUCAT e éramos rechaçados sumariamente como se fossemos verdadeiros intrusos. Eles criavam todos os tipos de dificuldades, desde o não reconhecimento do Sindicato, até a falta de legitimidade da nossa representatividade.
    
      Do ponto de vista legal, nossa entidade atendia todas as exigências jurídicas e a legislação pertinente ao setor, assim como CNPJ, registro no Ministério do Trabalho, Estatuto próprio, publicação de atas etc.

      Enfim, eles apenas não queriam que nós metêssemos o “bedelho” onde não éramos chamados

      Desde a fundação do Sindicato dos Artesãos, até aquela data, nós tínhamos sindicalizado cerca de 140 artesãos que viviam em Florianópolis. Isso não nos impedia de sindicalizarmos os integrantes de outras associações.

      Na verdade nosso projeto de fundação era dar legitimidade a categoria junto ao setor privado e estatal, de forma que fossemos regulamentados como uma categoria profissional. Algo diferente da condição de sermos apenas reconhecidos.

      Para a FUCAT, nosso critério não era aceito porque teríamos que nos submeter às provas de qualificação dentro do próprio órgão.
    
       Eis ai um dos fatores que tumultuaram por muitos anos os entendimentos e o relacionamento entre a categoria e o governo. Desde os anos de 1970 na gestão de Arnaldo da Costa Prieto no Ministério do Trabalho, que o segmento era tutelado pelo estado.

       Algumas regras eram definidas pelos estados, mas isto não tirava a legitimidade da categoria em gerir as suas próprias regras que qualificavam o artesão para aquilo que realmente consideramos artesanato. Do ponto de vista estatal, este entendimento é muito genérico tornando um produto qualquer, apenas feito com as mãos, como se fosse simplesmente artesanato.

      Algumas mudanças foram sendo efetivadas com a ascensão de Almir Pazzianoto no Ministério do Trabalho. Neste sentido, começamos a enxergar uma luz no final do túnel. Era assim Brasil afora. Essas pequenas mudanças levaram a categoria em nível de Brasil à possibilidade concreta de poder sonhar com a criação da UNA (União Nacional dos Artesãos).

      Imediatamente, nós do Sindicato dos Artesãos de Florianópolis aderimos àquela proposta.

       Na verdade, nossos critérios sempre levaram em conta a criatividade, os materiais utilizados e as técnicas de produção aliadas ao ambiente da produção. Normalmente são matérias primas naturais, não caracterizando uma origem industrializada. O coletivo nacional de formação da UNA já vinha criando algumas diretrizes que aplicávamos nos estados.

       Para o governo, esses critérios poderiam não ser os mesmos. Enfim, tínhamos este embate nas origens de nossa atividade e precisávamos superá-los.

       Como comentei mais acima, a minha militância permitiu-me chegar sem dificuldades ao Superintendente da FUCAT que recentemente havia sido empossado.

       O Sergio Entre - Filhos, que era irmão do Vereador Otto Entre - Filhos/PMDB recebeu a diretoria do SINDART em uma audiência agendada com o objetivo de conhecer a entidade.

      Colocamos ao Superintendente os nossos projetos e as dificuldades que estávamos enfrentando em fazer valer os direitos dos demais artesãos (sindicalizados ou não), que não tinham a possibilidade de participar daqueles eventos programados por aquela fundação.

      Levamos ao conhecimento do novo Superintendente os empecilhos que um dos coordenadores da Unidade de Artesanato apresentava ao Sindicato quando pleiteávamos nossa participação. A alegação do coordenador de nome João Luis era de que já tinha gente demais participando.

      Mas eis que levantamos a lebre ao pesquisarmos na própria Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado o recebimento de uma verba no valor de 300 mil dólares.

      Esta verba foi doada por uma ONG que a coletava junto às empresas multinacionais alemãs para fomentar o intercambio através da qualificação e produção de artigos artesanais aqui no estado. Nós investigamos e constatamos que uma quantia de mais de U$ 50 000 (cinqüenta mil dólares) foi utilizada apenas para a confecção de folders.

     Ora, o governo do estado já dispunha de uma política de divulgação de produtos do setor há vários anos.


      Outra parte do dinheiro foi utilizada para a formação de mão de obra que iria produzir juntamente com os profissionais existentes uma grande quantidade de chapéus mexicanos direcionados aquele país. O dinheiro (argumentaram) foi aplicado, mas a produção foi um fracasso.

      Na verdade mesmo, aquela “grana” tinha saído pelo ralo do peculato (sic). O total da quantia destinada foi totalmente diluído do nada para o nada, servindo apenas para o “deleite” dos administradores daquela doação.

       Na nossa avaliação, os valores destinados a categoria eram suficientes para a implantação de várias oficinas/escolas comunitárias espalhadas pelo estado que disponibilizariam o aprendizado e as matérias-prima de forma cooperativada para a categoria.

      Eu questionei algumas vezes o uso daquele dinheiro, e solicitei informações ao órgão do estado.

      O funcionário público João Luis (coordenador da Unidade) disse-me que a multinacional tinha exigido que a categoria fosse representada por uma entidade jurídica privada.

      Em Florianópolis havia várias entidades jurídicas legais da categoria, incluindo ai a própria ASSOCIART XV, a Associação dos Artesãos da Grande Florianópolis, a Associação dos Artesãos do Sul da Ilha, além de várias outras existentes pelo interior do Estado.

      Ora, por se tratar de uma fundação, a FUCAT que tinha CNPJ se apresentou como tal.

      Mais uma vez na minha vida eu tive que assistir a um ato de manipulação que retirava a legitimidade de um segmento social, de forma descarada, a serviço de interesses privados.

      Lembrei-me da ONG CAPROM que se tornara especializada neste quesito “social coletivo”.

      A prestação de contas estava ao encargo do coordenador da Unidade de Artesanato da Fundação que me disse: Nós prestamos as contas dentro daquilo que estava previsto na assinatura do compromisso com a ONG alemã.

       Aqueles fundos tinham o objetivo de tornarem-se um investimento nas áreas sociais dos países do terceiro mundo, neste caso, o Brasil era um deles.

      Ao tomar conhecimento dos fatos, o novo Superintendente da FUCAT afastou o funcionário João Carlos que coordenava a Unidade de Artesanato daquela fundação.

    No Sindicato, nós passamos a encaminhar os artesãos sindicalizados para que se submetessem aos testes exigidos pela FUCAT.

       Após o cumprimento das exigências do órgão, nós fomos convidados a participar dos eventos por tantas e quantas vezes fossem necessárias a demanda da categoria.

      Mesmo após esta conquista, nossa luta continuava de forma feroz nos bastidores da praça XV. Tínhamos de vencer algumas barreiras internas, e uma delas foi a de tentar trabalhar conjuntamente com a ASSOCIART XV a problemática da feira e, isso não foi possível por conta da relação umbilical de membros da associação com a Prefeitura.

      Toda vez que tentávamos discutir os problemas internos da feira, principalmente os relacionados ao aumento dos espaços, a entidade fechava fileiras com a fiscalização.

     Os critérios de acesso a feira eram definidos pela simpatia e não pelo direito de fato.

Na verdade aquilo ali era uma verdadeira “panelinha” e entravam na feira apenas os artesãos “amigos da corte”.

       Eu havia tentado inúmeras vezes fazer valer a presença do sindicato nas decisões referentes a aquele espaço, afinal, parte da diretoria da entidade era formada por artesãos trabalhadores da Praça XV.

      Mas quem disse que conseguiríamos facilmente? Eu pensava que isso seria possível, mas sinceramente, estava enganado. Nossa proposta na verdade, não era substituirmos a Associart XV, mas simplesmente abrir a feira para novos expositores.

     Fizemos isso durante o ano de 1989 e 1990 sem muito sucesso, mas sinceramente, foi uma verdadeira “barra” que enfrentamos e, aquilo ali era um verdadeiro circuito fechado. Eu me lembro que quando pleiteei o meu espaço, fui barrado por uma cara que era de Porto Alegre que fazia parte da Diretoria da feira.

      O Carli não se lembrava de mim. Ele chegou pra mim e disse: Cara, isso aqui não é as Areias do Campeche, aqui em Florianópolis é diferente da tua terra! 


      Pasme, eu conheci este cara quando ele usava aquelas calças jeans apertadas nos tornozelos que eram conhecidas como “cocotinhas”. Eu disse pra ele: Carli, eu me lembro de ti lá na Rua da Praia em “Portinho” mexendo com as guriazinhas que passavam, e agora você vem com esse papo furado? Você não é de Floripa, eu me lembro de ti lá da Rua Orfanatrófio há muitos anos atrás, e tua família vive lá, te liga cara, ta me tirando? Comecei a rir e ele ficou me olhando sem jeito. Acho que ficou com vergonha, e remendou dizendo que eu entraria na feira sem problemas.

       Minha entrada definitiva na Feira de Artes e Artesanato da Praça XV de Novembro ocorreu naquele ano de 1989. Vale lembrar que antes disso, eu já tinha passado por Floripa e trabalhado naquele espaço ainda no ano 1976 quando de meu retorno da República Argentina. Naquela época não havia espaços demarcados. Os artesãos hippies chegavam e armavam os seus “panos” no chão em baixo da figueira centenária sem nenhum problema.

      Nos anos 90 nós tivemos fortes embates iniciados na administração popular que eu ajudara a chegar ao poder. Este assunto eu retomarei mais a frente durante minha narrativa na escala do tempo desse escrito biográfico.

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