sábado, 11 de junho de 2011

Nasce uma comunidade chamada "Praia das Areias do Campeche",

    
 Bem, chegando a Florianópolis me estabeleci primeiramente em um hotel no centro da cidade. Dois dias após, já estava morando no sul da ilha, precisamente na praia das Areias do Campeche.

      Eu nunca poderia imaginar que uma vez tendo escapado praticamente incólume durante o período mais obscuro da ditadura militar, eu estaria sendo vítima daquilo que chamo de resquícios da mesma prática criminosa usada pelos ditadores, ou seja, atentar contra a vida de militantes contrários ao seu modo de pensar. Valia tudo pela supremacia das suas estratégias de crescimento político e eleitoral, ideologicamente falando.

      No primeiro sintoma político de repercussão social que fora projetado na mídia, e que, envolvia as questões litigiosas na periferia, ali se fizeram presentes as chamadas ONGs com seus projetos de incursão nos movimentos sociais. O oportunismo criminoso trouxe no seu bojo, projetos privados com o objetivo de plantar e eleger candidatos comungados do seu próprio meio político, vindos de cima, num pára-quedismo pirotécnico.

      O que aparentava ser normal diante das disponibilidades de ajuda, no fundo mesmo eram estratégias políticas e eleitorais de cartas marcadas.

       Era um grupo de pessoas abrigadas numa estrutura jurídica, sob a “pecha” (sic) de uma ONG preocupada com as questões sociais que afligiam mais de uma dezena de comunidades. Essas, diante do agravamento dos conflitos urbanos se tornaram o prato cheio do projeto eleitoral fundamentado na criação da própria ONG.

      É obvio que para as comunidades é sempre bem vindo qualquer ajuda, jurídica ou política que possa mesmo que paliativamente sufocar o sofrimento pelo qual viviam.  

      Nascidos na pós-ditadura, centenas de ONGs sobrevivem do dinheiro público travestidos de mandatos populares e de convênios estatais para os seus interesses privados. Na verdade, de forma indireta manipuladas pelas entranhas estatuaria do chamado 3º setor, tornam-se um lavatório dissimulado do dinheiro público para financiamento de campanhas eleitorais. Eis aí os autênticos caixas dois dos partidos representantes do pensamento burguês.

       Não existem estratégias políticas alicerçadas em artimanhas jurídicas, de resultados eleitorais, com custos financeiros mais perfeitos do que este. É o verdadeiro conto do vigário colocando a mão no erário público com a bandeira das causas sociais.

       Trata-se na verdade do enriquecimento ilícito de Ongueiros carreiristas, verdadeiros apêndices do sistema capitalista a serviço de seus partidos políticos.

       Os tempos são outros, mas aqueles personagens de outrora continuam incólumes como se nada tivesse acontecido.

      Não adiantou fazerem um esforço gigante na tentativa de dissimularem seus reais propósitos a cerca de 20 anos atrás, por aquilo que nos dias hoje, qualquer um faz a leitura perfeita do que sempre foram.

      Tudo começou com a minha inserção política nos problemas da comunidade de Areias do Campeche, que mais a frente eu viria ajudar a organizar.

      Quando ali cheguei, eu havia recebido um pequeno pedaço de terra com cerca de 200 metros quadrados. Na verdade eu havia recebido de um artesão que vivia ali a uns dois ou três anos.  Passado cerca de um mês após já estar morando naquilo que transformei num barraco (eram sobras de madeiras de construção), passei a entender o que realmente se passava naquele embrião que viria a ser uma grande comunidade.

      Após conversar com alguns moradores sobre a possibilidade de fundarmos uma associação de moradores, fomos informados por um casal que era remanescente da outra parte da comunidade, que havia negociado sua saída da área onde ocupavam que, desde o ano de 1984 havia uma associação, e que após os últimos acontecimentos estava inoperante.

       Fomos informados ainda que os documentos possivelmente estivessem nas mãos de um pessoal que já não estava mais ali. Eu tratei de saber o nome da entidade, que de fato se chamava Associação dos Moradores da Praia das Areias do Morro das Pedras e Campeche.

      Essa entidade foi fundada em 29 de fevereiro de 1984.

      Após várias pesquisas com moradores mais antigos da região, conseguimos localizar o livro de atas da entidade. Continuamos a pesquisar, e coube a mim a tarefa de ir atrás de eventual CGC (atual CNPJ). Procurei na Delegacia da Receita Federal e ali não havia o registro desta entidade. Seguindo na pesquisa, eu entrei na biblioteca da Assembléia Legislativa, e encontrei após uma exaustiva pesquisa, a ata de fundação da entidade e o extrato dos estatutos publicados no Diário Oficial do Estado.

      Já tínhamos o embrião da fundação da entidade, sabíamos quem eram os antigos diretores (com mandatos vencidos a mais de dois anos) e tratamos de contatá-los.

       Essa tarefa se tornaria difícil, alguns já não estavam mais em Florianópolis, outros não moravam no bairro desde os tempos da negociação com os representantes do Grupo Ilhas do Sul, empresa do ramo imobiliário que era associada aos empreendimentos da família de Henrique Berenhausen (Advogado já falecido).

      A história da comunidade de Areias do Campeche tinha nascido no inicio dos anos 80.

      Tudo começou com a ocupação de uma área frente para o mar e que era pretendida pelo tal grupo Ilhas do Sul que tinha sua sede em São Paulo. Segundo me contaram alguns moradores, o ex-Deputado Sergio Grando e a ex-Vereadora Clair Castilhos, um grupo de seguranças particulares fortemente armados, iniciaram suas ações sujas colocando fogo nos barracos dos posseiros, com o intuito de expulsa-los pelo medo.

      Naqueles dias houve a intervenção dos então Vereadores Sergio Grando PMDB e Clair Castilho PMDB que no decorrer dos fatos aconteceu à retirada negociada mediante uma permuta de área proporcional a aquela que os posseiros ocupavam.

      Os representantes da família de Henrique Berenhausen se comprometeram a pagar o frete, a construção das casas no novo local e a substituição de materiais eventualmente quebrados durante a transferência dos moradores para a nova área.

      Tudo ocorreu conforme o acordado entre a associação dos moradores, os vereadores e a outra parte.

      Após estes acontecimentos a Associação dos Moradores que contou com a participação de Sergio Grando como um dos fundadores, ficou inoperante até a data em que a resgatamos, e a regularizamos. Era dezembro de 1987, eu comecei convocando uma assembléia de moradores, e a seguir, elegemos uma diretoria. Eu fiquei como 1º secretário, o presidente que indiquei (sic) Foi o José Wilmar Vengner Ribeiro conhecido por nós com Shao Lin. Minha idéia era ficar por trás, nos bastidores fazendo uma assessoria para que tivéssemos sucesso.

     Lembro que no dia da posse do Shao Lin, eu comentei com ele que se fizesse um bom trabalho, quem sabe até poderia ser candidato a vereador. A Marta Reis Gobatto estava presente naquele ato, e ficou me olhando pensativa. Até aquela data, tudo parecia normal. Mas, o meu amigo Shao Lin permaneceu poucos meses, não demonstrava afinidade com o cargo e renunciou.

       Em nova assembléia eu fui eleito o novo presidente. O meu amigo Manoel Francisco Inácio ficou de vice-presidente, a Marta dos Reis Gobatto (uma professora, funcionária pública, remanescente da outra área) ficou como presidenta do Conselho Fiscal. A partir dai passamos a dar um novo impulso na entidade.

      No ano de 1988 fomos procurados por integrantes de uma ONG que pretendiam assentar na região um grupo de moradores de rua e de migrantes. Concordamos prontamente, afinal, aquela era uma área em litígio pela posse da terra. Ainda havia ali remanescentes da outra área onde fora feito um acordo.

      O Sem Tetos que foram trazidos eram organizados pela entidade e assentados em cima das dunas do Campeche. O acampamento foi feito com lonas pretas e estacas de bambu. Aquele evento foi amplamente noticiado pela imprensa local que, destacava que as “dunas” do Campeche foram invadidas por famílias de Sem Tetos. A repercussão foi tão grande que chamou a atenção das autoridades do estado e do município. Florianópolis não tinha um órgão municipal de meio ambiente.

      As famílias de Sem-Tetos permaneceram no local cerca de dois meses, sua manutenção alimentícia, de roupas, colchonetes e cobertores eram angariados com o apoio da ONG chamada CAPROM (Centro de Apoio e Promoção dos Migrantes), que os havia levado até ali.

       ... Passado este período, os Sem-Teto foram removidos para outras áreas da cidade com o apoio da ONG. 

      Na verdade, a ONG CAPROM tinha sido fundada poucos meses antes, por volta do mês de dezembro de 1987. Seu objetivo político era trabalhar a questão da moradia para as famílias de baixa renda e posteriormente trabalhar a eleição de um candidato a vereador que já estava previamente definido por este setor ligado a Teologia da Libertação.
     
      Estas propostas foram sendo amarradas conforme iam sendo aglutinadas outras entidades ou comissões de moradores das áreas em litígios pela posse da terra.

       Nossa comunidade era entre as várias comunidades, a que mais tinha experiência no processo de organização e uma longa história de resistências. Este histórico era conhecido no meio político de esquerda e não contava com a participação do PT.  O PCB (Partido Comunista Brasileiro) e setores progressistas que ainda estavam no PMDB foram os pontos de apoio da comunidade nos primeiros enfrentamentos ocorridos a partir de 1982/83.

      A questão da moradia digna, e a luta pela posse da terra eram o dia a dia da comunidade que lutava contra várias tentavas de despejos. Vários deles promovidos pela própria Prefeitura de Florianópolis, inclusive na administração de 85/88, que na verdade era o chamado mandato tampão que pretendia escalonar as eleições em dois níveis, separando as municipais das estaduais e federais. O prefeito da cidade era o ex-Deputado Federal Edson Andrino.

... Com a saída programada do grupo de Sem-Tetos nós continuamos com nossa luta na busca de melhorias na comunidade e no aperfeiçoamento de nossas estratégias de luta.

       Ainda em 1988 ocorreram as eleições municipais. Neste período eu estava filiado ao PMDB. Durante a eleição eu apoiei a coligação PMDB/PCdoB, sendo os candidatos a Prefeito o Senador Nelson Wedekin, e a Vice-Prefeita, a Professora Anita Pires. O apoio que recebemos foi recíproco no pleito.

     Num encontro que tive com o Senador durante as eleições, eu coloquei as questões da nossa comunidade e pedi ajuda no sentido de buscar uma solução.  

      O Senador Nelson Wedekin se colocou a disposição da comunidade mesmo que não fosse eleito, até porque tinha mais seis anos de mandato como Senador da República.

      Como militante do PMDB eu participava das algumas reuniões do diretório municipal, do Estadual e das reuniões que eventualmente ocorriam no escritório local do Senador Nelson Wedekin, localizado no edifício APLUB no centro de Florianópolis.

       Nelson Wedekin representava a corrente mais a esquerda do PMDB. Junto com ele estava o Roberto Motta (Ex Deputado e preso político (PCB), o Dr. Darella, O Advogado Sandoval Barreto (sobrinho do ex Senador Jaison Barreto), O Ricardo Barattieri (ex-vereador PDT), O Murilo Canto (ex-Deputado e Sub-Chefe da Casa Civil do Governo do Estado com Pedro Ivo, Cassildo Maldaner) na gestão do PMDB. Além de outros nomes importantes do partido.

       Eu fora recebido em duas ocasiões pelo Cassildo Maldaner quando este tinha assumido o governo do estado logo após a morte do governador Pedro Ivo Campos.

      Numa ocasião, foi informalmente durante um acampamento que havíamos montado em frente ao Palácio do Governo. Cassildo Maldaner veio pessoalmente sem nenhum protocolo conversar com os acampados.

       A luta pela posse da terra era uma questão que muitos partidos tentaram explorar eleitoralmente, algumas vezes apoiando e em outras enfatizando que acabariam de vez com aquela ocupação. Contrariando a lógica propagada por setores populares, eu recebia apoio sistemático do PMDB estadual em todos os sentidos. Lembro-me de um debate na antiga TV BV, eu participei frente a frente com o prefeito Esperidião Amim. A torcida do PMDB foi fundamental. Acho que me sai bem.

      Nós entramos o ano de 1989 com força total nas estratégias de luta.

      O dia cinco de março daquele ano foi um dia tenebroso para a comunidade, a prefeitura fez uma incursão com um grupo de fiscais, e iniciou a demolição de várias casas. Naquele momento eu estava trabalhando na praça XV de novembro no centro da cidade. Desempenhava naqueles dias a profissão de artesão.
     
      Em menos de quarenta minutos eu fui avisado por um morador da região o que estava acontecendo. Imediatamente retornei de carona com o mesmo, a tempo de assistir a saída dos fiscais. O desespero foi grande para as famílias que tiveram suas casas demolidas.

      Nos jornais da cidade a noticia explode como um troféu para a administração.

     Florianópolis não era uma metrópole, no mais amplo sentido da palavra. A capital do estado tinha todos os aspectos de uma capital provinciana, de uma cidade do interior.

     Qualquer noticia repercutia com intensidade. Vimos nos canais de televisão e nos jornais o destaque que era dado ao acontecido.

       Vale destacar que a ação da prefeitura se estendera por toda a região sul do Campeche, incluindo aí residências fora da comunidade.

      Imediatamente após a retirada dos fiscais da SUSP (Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos), nós iniciamos a reconstrução das casas que se encontravam na comunidade.
     
     Num dos barracos demolidos havia uma família com nove integrantes. Juntamos um grupo de moradores e, foi reconstruído tudo “novamente” (anteriormente, aquela casa já tinha sofrido outra demolição). A participação da comunidade foi voluntária. A solidariedade entre os moradores sempre falava mais alto.

      Naquele mesmo dia eu reuni parte da diretoria para discutirmos sobre o acontecido.

     Aquelas ações pareciam orquestradas por parte da prefeitura. Periodicamente o município demolia uma casa aqui, outra ali, e assim ia aterrorizando varias comunidades na periferia da cidade. Eu sugeri a diretoria que deveríamos procurar a Comissão de Direitos Humanos da OAB.

       No meu entendimento estava ocorrendo uma grave violação dos nossos direitos a moradia. Não importava se o local estava sub-júdice ou não, a prefeitura declaradamente estava tomando as dores de um empresário local.

      Como poderia o município comprometer recursos humanos e materiais para descaracterizar uma comunidade em favor da família de Henrique Berenhausen?

       A questão ambiental não poderia ser o motivo maior, afinal, boa parte do Campeche estava edificada nesta condição. Áreas nobilíssimas da cidade estavam edificadas em Áreas de Preservação Permanente. Não que fossemos a favor de uma ocupação desordenada.

      Na verdade a questão da moradia é até os dias de hoje uma realidade que por enquanto nenhum governo apresentou uma solução plausível. Em muitos casos o Plano Diretor de Balneários virava um balcão de negócios privados da classe política e, estava se tornando uma verdadeira colcha de retalhos para atender as demandas dos currais eleitorais.

       Literalmente eram aplicados dois pesos e duas medidas.

      Naquele mesmo instante tramitava nas entranhas dos gabinetes do executivo municipal a aprovação de projetos de condomínios fechados na mesma área que ocupávamos, ou seja, enquanto a justiça não definia quem eram os verdadeiros donos das terras, a prefeitura agia como se essas deles fossem, mesmo estando naquela condição.

      Até os dias de hoje eu ainda fico remoendo no meu gene mental, se houvesse de fato moralidade naquela administração, a prefeitura ficaria de fora daquele entrevero político e jurídico, já que a mesma não apresentava solução definitiva para o caso. Ética e moralmente teria aguardado a decisão da justiça pra decidir pelo sim ou pelo não da aprovação dos condomínios fechados que antecipadamente aprovara.

     As aprovações da construção dos condomínios que estavam sub-júdice, mostrou claramente, anos mais à frente, que a administração da cidade era usada para interesses privado. A defesa que faziam dos empresários, eram dissimuladas através das ações demolitórias que executavam na comunidade.

       Por conta desta ação, a cidade se envolveria em débitos de milhões de reais para interesse privado. De verdade mesmo, este fato se caracterizou em uma ação de danos cessantes/perdas e danos, movidos pela família de Henrique Berenhausen, que se apresentava como prejudicada.

       A justiça catarinense também tinha no seu topo um integrante da família de Henrique Berenhausen. Tratava-se na verdade do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, o Juiz Tico Brae Fernandes, casado com a juíza Lili Eufrida Fernandes, filha do ex-jogador de futebol do Figueirense, e médico, Laudares Capella Fernandes, que por sua vez era casado com a filha de Henrique Berenhausen, (acho que é isso mesmo).

       Podemos entender que era a justiça catarinense com as mãos na imoralidade, ao gerir direitos em causa própria.

      Para que se entenda melhor, a área está localizada frente para o mar e, era fruto de ocupações irregulares que fora adquirida durante a gestão do então advogado Henrique Berenhausen, quando este foi um dos Diretores do extinto IRASC (Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina).

      Enquanto presidente do órgão estatal apresentou um projeto de reflorestamento para aquela região arenosa. Algum tempo depois, as requereu como suas, após ter plantado milhares de mudas de eucaliptos e de pinu´s.

Segundo o comentário de moradores antigos, este fato ocorrera no final dos anos 1958/1962. Ainda conforme os comentários, o serviço foi executado com mão de obra carcerária.

       Boa parte da área requerida pelo grupo Ilhas do Sul e pela família de Henrique Berenhausen estão em Áreas de Preservação Permanente (APP) e, foram completamente descaracterizadas com a conivência do poder público, ou seja, foram literalmente tomadas da união federal com esta parceria ideológica.

      Na comunidade nos continuávamos apreensivos com os acontecimentos que estavam ocorrendo pela cidade. Num grupo de moradores fomos até a sede da OAB levar o acontecido. O Então presidente Paulo Henrique Blasi se comprometeu a dar uma solução jurídica para o caso.

      Saindo da OAB fomos ao endereço que tínhamos do CAPROM. Na verdade, desde os acontecimentos de 1988 que não tínhamos feito contato em nível de diretoria com aquela ONG.

     Fomos recebidos pela Ivone Perassa e colocamos em detalhes o acontecido e, as providencias que pretendíamos tomar. Sinceramente, eu tive a impressão de que já estavam nos esperando.

      Naquele mesmo dia nos reunimos com o Padre Wilson Groh e agendamos uma reunião com a ONG e outras comunidades atingidas por aquelas ações demolitórias.

      A primeira reunião aconteceu ali na sede da ONG, uma segunda se sucedeu no mesmo local.

      Eu me lembro que ao entrar na sede da ONG, me deparei com a Elaine esposa do Toni (que era o jagunço do Álvaro), pensei ser aquele encontro, uma mera coincidência.
      Ledo engano, a Elaine fazia parte da diretoria da ONG. Até aquele momento eu me mantivera calado frente aos fatos acontecidos meses antes, e que, envolviam ela e seu companheiro Toni.

      Eu pensava comigo: Como poderia uma pessoa que despejava famílias, que se envolvia em ações criminosas a serviço do seu patrão, estava ali supostamente defendendo aqueles que odiavam? Enfim, senti-me agredido com a sua presença.

      Passei pelo corredor da ONG e vi ali na parede duas fotos do Lula e apontei o dedo para um dos folders e, falei debochando em alusão ao seu amigo Esperidião Amim: Quem vai ganhar as eleições será “Paulo Maluf” (ambos do PDS), falei umas duas vezes e sai rindo. Eu vi claramente que tinha atingido o meu objetivo, ela tinha ficado completamente deslocada. Outros que ali estavam não entenderam o acontecido, mas enfim, deixei ali o meu descontentamento com a presença daquela mulher.

           
        Após uma reunião formal entre nossa entidade e a ONG, decidimos conjuntamente ampliá-la com a participação de outras entidades e comissões de moradores das áreas em litígios pela posse da terra.
      
       Coube a uma comissão formada por integrantes daquele coletivo, agendar uma reunião com a prefeitura municipal.

       Após um impasse no primeiro encontro com a prefeitura, foi formalizado um segundo mais ampliado, contando este, com a participação de órgãos do governo estadual e inclusive do federal, incluindo aí a CASAN, SEHAC, CELESC, COHAB, CEF, IPUF, SUSP entre outros.         
Enfim, era uma tentativa de tornar os encontros mais formais para a obtenção de resultados mais concretos (?).


       Semelhante a Comunidade de Areias do Campeche, outras comunidades viviam no escuro, não tinham saneamento básico, postos de saúde, creches, postos policial, nem vagas suficientes nas escolas existentes para os filhos dos moradores, além de iluminação pública, transporte coletivo e tantos outros direitos sociais.

      Este fato deu maior dimensão às discussões, que, teoricamente se desenvolviam num nível mais elevado (?).

           
...Não era nada disso, quanto mais se discutia, mais a prefeitura colocava obstáculos políticos para solucionarmos os problemas. Em alguns momentos alegava a questão jurídica dos litígios (não pensava assim com os empresários) e em outros a falta de projetos específicos na cidade. Jogava o problema para o legislativo municipal e assim a roda girava...

       No meu entendimento, aquilo ali já estava parecendo uma ação orquestrada com o objetivo de ganhar o tempo do nada...

       A ONG CAPROM continuava firme querendo abraçar o mundo local (sic) propondo a criação de uma política habitacional para o município.

Pense num engodo...
.

        Com a promulgação da Carta Magna em outubro de 1988, eu havia recebido do Senador Nelson Wedekin mais de 200 exemplares originais da Constituição Federal aprovada. Meu primeiro passo foi distribuí-las na comunidade e nas imediações.

       Dois artigos da nova constituição me chamaram a atenção. O primeiro foi referente ao Habeas-Data (um direito do cidadão que obriga o estado a lhe entregar informações referentes à sua própria pessoa, caso este lhe negue. No meu caso, tenho a favor do processo referente ao meu nome de Carlos Alfredo...).

       O Outro foi “Mandato de Injunção” referente à igualdade de direitos de um cidadão que eventualmente lhe é negado pelo estado etc...

      Certo dia durante a estada do Senador em Florianópolis, fui ao seu escritório local onde coloquei a questão da energia elétrica na comunidade. Comentei com o Senador que a prefeitura dificultava nosso acesso a várias benfeitorias. Lembrei a ele a questão do mandato de injunção que tinha visto na nova constituição, e ele disse que juridicamente havia uma possibilidade concreta de sua aplicação. O Senador disse também que iria nos ajudar nesta questão. Enfim, sai de seu escritório convicto de que o nosso problema seria prontamente resolvido.

      Eu sempre tive a opinião de que alguns parlamentares ou personalidades públicas sentem-se muito bem quando são “cobrados” ou procurados para a solução de problemas de ordem coletiva. Neste caso, o Senador Nelson Wedekin, eu percebia que gostava de ser “exigido” nessas questões. Ele prontamente atendia os nossos pleitos que eram socialmente justos.  

          ...Na comunidade, durante uma assembléia extraordinária, nós tínhamos tirado o indicativo dos moradores, de que nossa prioridade número um seria caracterizar a comunidade como legitima, no sentido de trazer todas as benfeitorias possíveis para nossa permanência definitiva.

       Nesse sentido, eu encabecei uma comitiva, e nos reunimos várias vezes com a diretoria da CELESC (Companhia Estadual de Energia Elétrica). Nosso primeiro encontro foi agendado pelo Senador Nelson Wedekin que circulava com extrema desenvoltura em todas as instancias da vida política do estado.

      O Senador Nelson Wedekin tinha assumido um compromisso pessoal comigo quando disse durante uma conversa: Eu vou colocar energia elétrica pra vocês na comunidade. Eu confiava no que estava dizendo. O Senador Nelson Wedekin tinha uma longa historia de lutas e resistência contra a ditadura militar. O Senador foi preso político e defensor ferrenho dos perseguidos pelos militares. No estado de Santa Catarina, defendeu vários militantes tirando-os das garras da repressão em episódios conhecidos aqui no estado como “Operação Barriga Verde”.

      Ele também se comprometera a nos ajudar a construir a sede social da entidade e uma creche comunitária. Wedekin me passou informações importantes sobre as verbas disponíveis para entidades na extinta SEHAC (Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária).

       Diferente dos dirigentes da ONG CAPROM, o Senador Nelson Wedekin nos dava uma atenção no sentido amplo da igualdade, ou seja, conversava e fazia as tratativas com extrema seriedade, com respeito a nossa condição de líder comunitário. Ouvia-nos e sugeria encaminhamentos sem muitas “milongas”.

      Discutimos o assunto na comunidade e elaboramos um projeto de construção de uma creche comunitária e da sede associação. Feito isto, entregamos ao Senador que solicitou ao governo federal, via Senado da República.

      O nosso projeto havia sido aprovado pelo governo federal, parte das verbas foi alocada, mas infelizmente a interferência do Prefeito Esperidião Amim impediu a liberação, já que estas teriam que passar sobre o aval do município. A área estava em litígio argumentou o filhote da ditadura. Essas informações nos foram passadas pelo Senador.

      Mas o engraçado, que para aprovar os projetos dos condomínios pretendidos pela família de Henrique Berenhausen, o entendimento do prefeito tinha sido outro.
Este “modus operandi” do representante mor do período da ditadura no estado, já era conhecido.
     
      Nossa luta por melhorias continuava. Depois de uma reunião com o ex Diretor Nogert Weist, fizemos outras reuniões com o Diretor de Planejamento e da Diretoria de Distribuição da empresa de energia, Dr. Mauro Candemil. Logo a seguir, já no campo das execuções da obra, reunimo-nos com o Superintendente Regional do Vale do Rio Tijucas (que engloba 16 cidades), o engenheiro Gazzola e com o engenheiro Sergio Prado. Ambos se empenharam no projeto de forma emergencial.

     Finalmente chegou o momento tanto esperado, porém, houve um impasse no tocante a uma das ruas do projeto. Nós havíamos sugerido aos técnicos da empresa que a rede entra-se por uma rua existente ao lado da comunidade. Essa rua pertencia de fato ao condomínio Araucária, um dos mais de uma dezena que haviam sidos construídos com a retirada dos moradores durante a primeira fase da ocupação. Esta rua era toda lajotada, porém não havia casas e nem energia elétrica. Para os donos do imóvel, os custos de uma rede seriam elevados.

      Imediatamente após percebermos este impasse eu convoquei uma assembléia extraordinária dos moradores e discutimos o assunto.

        O condomínio era cercado, mas não havia um portão de entrada, era completamente aberto na parte frontal. Alguém ali na comunidade já tinha aberto o bico para os proprietários. Este fato nos confirmou mais a frente, tratava-se de um morador da comunidade que trabalhava como vigia ali naquele empreendimento, e pasmem, mantinha ali um apartamento anexado abaixo de uma caixa d água enorme de concreto.

      A idéia da CELESC era iniciar as obras numa sexta-feira já deixando todos os postes colocados no local, mas não foi possível naquele dia. No sábado subseqüente, os proprietários do condomínio começaram a construir um portão de ferro. Armaram uma estrutura grande de concreto e já estavam quase concluindo quando chegamos ao domingo.

      A comunidade enfurecida começou a derrubar tudo com marretas, pontapés, os mais fortes puxavam as ferragens e cavavam o chão com as pás para facilitar a retirada daquilo que estava se tornando um obstáculo para o nosso acesso a energia elétrica. Em menos de quinze minutos estava tudo no chão.

       Quando já estávamos nos retirando, surgem duas viaturas da policia militar. Um Sargento desce e pergunta: Quem é o líder da comunidade? Eu prontamente respondi: Sou eu sargento, meu nome é Carlos Alfredo, este fato quase passou despercebido, se não fosse um morador que riu pensando que eu estivesse mentindo para o policial.

      O policial me convidou para entrar na viatura, e foi o que fiz. Disse para os moradores revoltados que eu estaria sendo levado para o posto policial existente ali no Morro das Pedras.

      Não demorou mais que cinco minutos e começou uma gritaria em frente ao posto e pediam a minha libertação. Os donos do condomínio estavam chegando ao local e foram vaiados pela comunidade ali reunida. O diretor do grupo ilhas do Sul dizia para o Sargento que eu teria de pagar o prejuízo do portão. Queria que eu assumisse o compromisso de construir-lo novamente.

      Que a comunidade entra-se com a mão de obra e ele daria o material. Com essa proposta fantasiosa eu retruquei a ele dizendo: Pagar o quê? Você está cego? Não consegue ver que com a entrada da energia pelo seu condomínio vocês serão beneficiados? Você sabe os custos da colocação daqueles postes que passarão pelo condomínio?

      Lá fora a comunidade gritava: Liberdade! Liberdade! Liberdade!

      O Senhor Luis Carlos que era o diretor do grupo Ilhas do Sul olhou para o policial e disse:

      Não tenho nada mais a reclamar e, por favor, senhor Carlos Alfredo, eu redigirei um documento que dê o assunto por encerrado, a seguir levantou-se e estendeu a mão para mim, eu também fiz o mesmo.

      O Sargento levantou-se e me disse, você pode ir embora, está tudo resolvido.

      Do lado de fora os moradores vibraram com a nossa vitória. A energia elétrica se tornaria uma realidade naquela comunidade, sofrida e paupérrima de então.

      Infelizmente a alegria de pobre dura pouco.

      Na segunda feira pela manhã a CELESC iniciou as obras com uma empresa terceirizada. Eles começam a cavar e a colocar os postes rapidamente. O trabalho estava bem sincronizado pela parte da manhã.

      Eis que no inicio da tarde surge os fiscais da prefeitura e dizem que a obra estava embargada, que a CELESC não poderia colocar aqueles postes ali. E que a área estava em litígio etc.

      O prefeito Esperidião Amim tentou recorrer juridicamente, mas foi derrotado. O governo do estado mandou as obras seguirem adiante...
     
      Já fazia cerca de dois meses que rede de energia elétrica estava implantada na comunidade, mas, somente dois moradores tiveram condições de instalá-la em suas residências. Por conta disso, recorremos novamente ao senador Nelson Wedekin que sugeriu entrarmos em contato com engenheiro Gazzola, gerente regional da empresa.

      Após duas reuniões, a CELESC enviou uma assistente social para que fizesse um levantamento socioeconômico. Com os resultados nas mãos, o serviço social da empresa de energia reativou um antigo projeto, que previa a instalação completa da fiação interna, e de postes residenciais para as comunidades de baixa renda. Fomos contemplados com este trabalho social em cerca de 50 barracos.

      O projeto da CELESC consistia em que os moradores teriam os custos descontados em 18 parcelas fixas e mensais, sem juros ou correções, tornando este trabalho uma espécie de investimento social. Com aquela ação, a comunidade de Areias do Campeche estava realmente saindo das trevas, que já durava a anos de escuridão.

      Eu sempre tive a idéia comigo que a prefeitura na gestão de Esperidião Amim/Bulcão Viana defendia os interesses da família do advogado Henrique Berenhausen. Este fato se confirmou comigo quando eu soube que o advogado fora vizinho do então também prefeito Bulcão Viana (já falecido) num imóvel no centro da cidade.

      Independente deste quesito, os Amim (prefeito e prefeita), nunca nutriram simpatias pelo sul da ilha. Eles arrecadavam os impostos ali e os aplicavam no centro nobre da cidade e no norte da ilha onde tem propriedades. Este fato me fazia lembrar o já falecido ex-governador do Estado de São Paulo, Orestes Quércia, que fora prefeito da cidade de Campinas em São Paulo.

       Naquele caso, ele havia comprado áreas de terra numa parte da cidade e quando foi prefeito direcionou os investimentos para onde tinha suas propriedades. Ele ficou milionário em poucos anos por conta da valorização advinda da infra-estrutura por ele construída.

      Até aquela data o PT era completamente ausente nessas questões ligadas a luta da terra nas cidades. Até porque se alicerçava unicamente nos sindicatos estatais e nada mais. Assim faziam em várias partes do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário